quarta-feira, 1 de abril de 2020

Uma quarentena de Histórias: O troll que não quis ficar em casa

O troll que não quis ficar em casa por Carlos A. Silva

No país dos contos de fadas, andava tudo em alvoroço. A bruxa Canhestra, desastrada por natureza, tinha-se enganado numa das suas poções mágicas e mandara a cabana pelos ares. Sobre todo o território, pairava uma névoa esverdeada e pestilenta, que provocava reações esquisitas em quem a inalava. A começar pela própria bruxa Canhestra, que ficou transformada numa galinha saltitona e passou o resto dos seus dias a saltar à corda e a pôr ovos de borracha.
O centauro Serafim, carteiro de profissão, que ia a passar naquele momento, ganhou um apetite voraz por papel e comeu as cartas todas que tinha para distribuir. A seguir, invadiu a biblioteca e começou a devorar enciclopédias mágicas e romances de encantar. Tiveram de correr com ele à vassourada, senão não tinha restado qualquer livro nas estantes, o que seria uma tragédia.
A Ratinha Vaidosa, que vinha a chegar das compras à sua casa-cogumelo, desatou a cantar ópera em altos berros, com a sua vozinha desafinada. O que fez com que os vizinhos, ensurdecidos pela cantoria, a tivessem de amordaçar violentamente.
Por todo o lado, havia seres atingidos pela tal névoa mágica, manifestando os mais estranhos sintomas.
Depressa os habitantes do país dos contos de fadas perceberam a origem destas perturbações e protegeram a boca e o nariz com máscaras especiais, à prova de feitiços gasosos. Só que não as havia para todos...
O ministro do reino, um cavalo alado muito sábio, decretou então:
- Enquanto a névoa mágica resultante do acidente da Canhestra não se dissipar, toda a gente deve ficar em casa. Fechem portas e janelas e evitem meter o nariz de fora. Já temos uma equipa de fadas, bruxas e feiticeiros a estudar o assunto e a desenvolver uma poção de desencantamento. Até que o problema se resolva, e não sabemos quando, ninguém sai, ouviram?
Os anões, as fadas, as ninfas, os faunos e os restantes seres que habitam o país dos contos de fadas, todos acataram as ordens do ministro do reino. Todos, menos um, o troll Arrebentaportas, que era sempre do contra.
- Vou agora ficar em casa... Tenho mais que fazer. Vou inventar uma máscara à minha maneira e saio quando me apetecer. Tanto mais que, aqui por estes lados, já quase se não vê qualquer névoa.
E se assim o pensou, melhor o fez. Enrolou à volta da boca e do nariz um trapo ensopado numa mistela que usava para desentupir a sanita e saiu. Só que não chegou muito longe. A pouco e pouco, os restos de névoa pestilenta que por ali pairavam atravessaram o tecido da máscara improvisada e o resultado não foi bonito de se ver. O troll Arrebentaportas foi transformado numa batata podre com soluços. E o problema maior é que, sempre que soluça, metamorfoseia-se numa coisa diferente: uma panela de pressão, um chinelo roto, um penico, um ovo escalfado e uma quantidade de outras coisas inesperadas. É bem feito para ele!
E vocês, não esqueçam, enquanto este problema persistir, NÃO SAIAM DE CASA!


“Carlos Alberto Silva nasceu a 25 de Junho de 1958, em Pombal. Vive em Leiria.

Diplomado em educação de infância, especializou-se em Comunicação Educacional e Gestão da Informação, desempenhando actualmente funções de professor bibliotecário, no Agrupamento de Escolas de Porto de Mós, onde leciona Iniciação à Programação a alunos dos 3.º e 4.º anos de escolaridade. Ultimamente, tem desenvolvido algum trabalho de pesquisa e experimentação no domínio da Robótica Educativa como instrumento de aprendizagem, nomeadamente no que diz respeito à leitura e à escrita.

Entre outras atividades, tem exercido nas áreas do teatro, das artes plásticas, do jornalismo, da animação cultural e do ensino e formação. Desenvolve diversas acções no âmbito da mediação e promoção da leitura, como autor e contador de histórias.

(…)

Escreve desde muito novo, tendo diversos textos publicados em “fanzines”, jornais e “sítios” da internet.”

Podes consultar mais em https://amoranegra.pt/?p=433
 

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