sexta-feira, 5 de junho de 2020

Ler Histórias: O peixe de ouro



Era uma vez um pescador que vivia com a mulher numa velha cabana à beira-mar. Todos os dias partia no seu barco, feliz por reencontrar as ondas coroadas de espuma, por sentir o sol acariciar-lhe a face e o vento soprar-lhe docemente nos cabelos. Por vezes, maravilhado com um pôr-do-sol, quedava-se, extasiado pela beleza do mundo, e esquecia-se até de lançar as redes.
Numa manhã em que o mar estava particularmente calmo, lançou as redes à água límpida, dando graças ao céu por tão belo dia. Teve muita dificuldade em puxá-las. Puxou com todas as suas forças, pensando que apanhara vários peixes grandes. Mas, no meio das redes, havia um único peixe de escamas douradas. Ficou muito surpreendido quando o peixe lhe falou com voz humana:
— Peço-te, pequeno pescador, deixa-me voltar para o mar. Dá-me a minha liberdade e dar-te-ei o que quiseres.
O pescador pegou nele delicadamente e pô-lo de novo na água.
De volta a casa, contou a sua aventura à mulher, que ficou muito zangada:
— Ao menos, podias ter-lhe pedido pão! Há muitos dias que não temos pão. Volta lá e pede-lhe pão bem fresco.
O pescador voltou ao lugar onde tinha largado o peixe. Uma brisa suave soprava no mar e as pequenas ondas salpicavam docemente o casco do barco.
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça p’ra mim, minha mulher quer assim!
O peixe apareceu e perguntou:
— O que me quer ela?
— Acha que eu deveria ter-te feito um pedido quando estavas preso na minha rede. Queria que nos desses pão.
— Volta para casa — respondeu-lhe o peixe. — Ela já tem o que queria.
Ao chegar a casa, o pescador encontrou a mulher ocupada a empilhar formas de pão e sacos de farinha a um canto da cabana.
— Estás a ver como fiz bem em mandar-te lá? — perguntou ao marido.
Passado um mês, porém, a mulher do pescador começou a queixar-se.
— Devias ter-lhe pedido uma casa. Olha para esta cabana miserável, quase não se aguenta de pé! Na verdade, o que nos faz falta é uma boa casa. Vai ter com o peixe de ouro e pede-lhe uma.
O pescador voltou, contrafeito, ao lugar onde tinha largado o peixe. O sol desaparecera por detrás das nuvens e o vento tinha-se levantado, fazendo oscilar o barco.
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça p’ra mim, minha mulher quer assim!
O peixe tirou a cabeça da água e perguntou-lhe:
— E o que quer ela agora?
— Quer uma casa. A nossa cabana está muito velha.
— Volta para casa. Ela já tem o que desejava.
Ao chegar a casa, o pescador encontrou a mulher com um vestido novo, na soleira de uma grande casa de pedra. Atrás de um belo pomar, viu igualmente uma capoeira e um estábulo.
— Vês — disse-lhe a mulher — fiz bem em mandar-te lá.
Mas, duas semanas depois, a mulher do pescador voltou a queixar-se:
— Esta casa é demasiado pequena. Precisamos mas é de um castelo. Vai de novo ter com o teu peixe e diz-lhe que quero morar num castelo.
Tanto o atormentou, que o pescador voltou ao mesmo lugar. O vento soprava agora em fortes rajadas e grandes ondas abanavam o barco por todos os lados.
Contrafeito, o pescador chamou o peixe de ouro:
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça p’ra mim, minha mulher quer assim!
O peixe tirou a cabeça da água e perguntou-lhe:
— O que quer ela desta vez?
— Quer um castelo. Acha a casa pequena demais.
— Volta para casa — respondeu o peixe. — Ela já tem o que queria.
Ao chegar a casa, o pescador viu a mulher magnificamente vestida, no pátio de um grande castelo, que estava rodeado por um belo parque. Dezenas de criados atarefavam-se por todo o lado.
— Vês como fiz bem em mandar-te lá?
Mas, no final da semana, a mulher acordou-o uma manhã com um forte abanão:
— Temos de ser os soberanos deste país. Corre e pede ao peixe que nos faça rei e rainha.
— Mas eu não quero ser rei — disse-lhe o pescador.
— Mas eu quero ser rainha. Vai depressa dizer-lhe que quero governar o país.
Triste e com o coração pesado, o pescador voltou à margem. Relâmpagos flamejantes percorriam o céu escuro e ondas ameaçadoras por pouco não viraram o barco.
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça p’ra mim, minha mulher quer assim!
O peixe tirou a cabeça da água e perguntou-lhe:
— O que mais quer ela?
— Quer ser rainha. Quer que todos a sirvam.
— Volta para casa — disse-lhe o peixe. — Ela já tem o que exigiu.
Ao chegar a casa, o pescador viu um palácio esplêndido, guardado por inúmeros soldados. A mulher encontrava-se no interior, sentada num trono enorme. Tinha na cabeça uma pesada coroa de ouro, incrustada de diamantes, e trazia um vestido sumptuoso, semeado de finas pérolas.
— Vês como fiz bem em mandar-te lá? — perguntou ao vê-lo.
Mas, nessa noite, na grande cama coberta de peles, a mulher do pescador não conseguia dormir. Perguntava-se o que mais poderia obter do peixe. E quando a alvorada iluminou o céu, pôs-se a gritar de cólera:
— Como é possível? Quando quero dormir é que o sol se levanta, e sem a minha autorização. Vai depressa ter com o peixe e diz-lhe que desejo que os astros me obedeçam.
E ordenou aos guardas que o pescador fosse posto fora de portas. Pesaroso, o pescador voltou ao mar.
Uma tempestade enorme desabara sobre o oceano. As ondas rebentavam em cima do barco do pescador, que não o conseguia controlar. Várias vezes chamou o peixe com todas as suas forças, enquanto a violência do vento lhe abafava a voz:
— Peixe, peixinho de ouro, vem cá! Vira a cabeça p’ra mim, minha mulher quer assim!
O peixe tirou, por fim, a cabeça da água e perguntou:
— Mas o que mais pode ela ainda querer?
— Quer reinar sobre o universo inteiro.
— A tua mulher nunca se sentirá satisfeita. Adeus, caro pescador, nunca mais voltaremos a ver-nos.
Ao chegar a casa, o pescador viu que o palácio tinha desaparecido e que, no seu lugar, se encontrava de novo a cabana decrépita. A mulher choramingava, envergando o seu velho vestido remendado.
— Não chores — disse o pescador. — Não eras mais feliz quando eras rainha. A maior felicidade consiste em estar-se contente com o que se tem.
E partiu, feliz, para pescar o alimento de todos os dias no mar límpido e tranquilo.
Johanna M. Coles; Lydia M. Ross, L’Alphabet de la Sagesse, Paris, Albin Michel Jeunesse, 1999

"Apresentação oral do capítulo "O Homem Muito Rico", da obra "A Fada Oriana" de Sophia de Mello Breyner Andresen...