Num lugar muito longe daqui havia um monstro minúsculo, tão
pequeno, tão pequeno que ninguém conseguia vê-lo à vista desarmada. No entanto,
tinha muito mau feitio e uma enorme ambição: tornar-se num gigante e ser rei
absoluto. Como tinha nascido com uma coroa na cabeça, achava que tinha direito
a dominar todo o planeta.
Um dia, foi consultar uma bruxa malvada muito poderosa e
disse-lhe:
- Ouve lá, ó bruxa maléfica, estou decidido a tornar-me num
gigante e a ser o rei absoluto deste planeta. Se me ajudares a consegui-lo,
recompensar-te-ei e nomear-te-ei minha Primeira Conselheira.
A princípio, a bruxa achou que aquele monstro minúsculo não
devia estar bom da cabeça. Ainda por cima manifestava uma irritante falta de
respeito. Chegou mesmo a pensar lançar-lhe um feitiço que o transformaria num
sapo ou, como era tão pequeno, num grão de pó. Mas depois reconsiderou,
pensando que aquilo até podia ser divertido e respondeu:
- Combinado! Se fizeres tudo o que eu disser, ajudo-te a conseguir
o que pretendes.
Virou costas e foi para junto do seu caldeirão, criar um
feitiço especial.
Passado algum tempo, a bruxa chamou o monstro minúsculo e
disse-lhe:
- Já preparei um feitiço que te permitirá realizar o teu
desejo. Mas, para isso, há algumas condições.
- Ai sim? - disse o monstro minúsculo - Que condições são
essas?
- Primeiro, tens de prometer que farás tudo o que eu
disser, como eu disser e quando eu disser.
- Está bem, prometo! - resmungou o monstro minúsculo, com
maus modos.
A bruxa explicou então:
- Para poderes ser o rei do mundo, tens de subjugar os
humanos, que são quem, neste momento, domina o planeta. Vais entrar dentro
deles e submetê-los à tua vontade. No entanto, tens um tempo limitado para
habitar o corpo de cada um, antes que te consigam expulsar.
- De acordo - disse o monstro minúsculo. - E que mais?
- Só podes ir de humano em humano quando eles estiverem em
contacto entre si. Aproveita bem cada aperto de mão, cada abraço e cada beijo
para passar para o próximo ou então acaba-se o tempo e não poderás realizar o
teu desejo.
- Certo. E que mais?
- Quando estiveres dentro de cada um, faz o que puderes
para dominar o corpo que invadiste. Obriga-os a tossir para tornar mais fácil e
rápida a tua ação. E olha que não vai ser fácil, sobretudo com os mais jovens.
Por isso, aproveita especialmente os mais velhos, em particular os que já
estiverem doentes.
- Percebi. Não me parece nada difícil. Vai ser canja,
hehehehe! Já me estou a ver: enorme, do tamanho do mundo, com o planeta todo às
minhas ordens.
- Não te entusiasmes demasiado - disse a bruxa. - Ainda
temos muito que fazer. Agora, salta para dentro do meu nariz e vamos ao
trabalho!
O monstro minúsculo saltou para dentro do nariz da bruxa e
começou a multiplicar-se. Esta disfarçou-se de velhinha simpática e foi até ao
mercado, que àquela hora estava a abarrotar de gente. Na mão, levava uma cesta
cheia de maçãs, vermelhinhas e sumarentas, para cima das quais havia tossido.
- Olh'ás maçãs vermelhinhas e sumarentas!!! - apregoava
ela. - Quem quer comprar as minhas maçãs maduras e deliciosas?
Ao mesmo tempo, ia cirandando entre as bancas do mercado e
tossindo para cima das pessoas e das mercadorias e tocando em tudo com as mãos
sujas.
Constatando que poucos queriam comprar as maçãs, começou a
oferecê-las:
- Olh'ás maçãs vermelhinhas e sumarentas!!! Ó freguês,
pague uma e leve três!
A pouco e pouco, o monstro minúsculo começou a entrar pelos
narizes e bocas das pessoas que por ali andavam, sem que estas dessem por isso.
Quando encontravam algum amigo ou conhecido, as pessoas cumprimentavam-se
efusivamente, ajudando assim a passar o monstro minúsculo que as contaminava.
Dias depois, começaram a surgir os primeiros sintomas da
invasão: algumas pessoas sentiram-se muito cansadas, com febre e com tosse. As
mais vulneráveis tiveram que ser hospitalizadas e, a cada dia que passava,
apareciam mais casos. Algumas pessoas não resistiam...
Na sua cabana, a bruxa malvada gargalhava, a cada má
notícia que ouvia sobre o assunto. Por seu lado, o monstro minúsculo andava nas
suas sete quintas e crescia de dia para dia. Começou por ter sob o seu domínio
uma cidade e depois outra e outra.
Quando já controlava o país inteiro, espalhou-se pelos
restantes países. Os estrangeiros que estavam de visita levavam-no na bagagem
para as suas terras e ajudavam, sem saber, à sua propagação.
O monstro minúsculo começou então a lançar na cabeça das
pessoas a semente do medo. Não tardou que o pânico alastrasse e estas começaram
a acumular comida e outros bens essenciais. Alguns até compraram armas. Mas
esta era uma guerra invisível, porque ninguém sabia como combater o monstro
minúsculo.
Os governantes dos países atingidos chamaram os feiticeiros
oficiais, mas estes não sabiam como resolver o assunto. Chamaram então os
cientistas e pediram-lhes ajuda. Os cientistas estudaram o problema e
procuraram uma cura para a doença provocada pelo monstro minúsculo.
Descobriram que este só podia crescer quando as pessoas
estavam em contacto entre si. Que se aproveitava de cada aperto de mão, cada
abraço e cada beijo para passar de uma para outra. Aconselharam então as
pessoas a mudarem os seus hábitos e a ter muito cuidado com a higiene.
Aconselharam também que, os que pudessem, ficassem em casa. Só saíam os que
tinham mesmo de trabalhar para dar resposta às necessidades do dia a dia.
Muitas pessoas assim o fizeram. Custava muito ficar em casa
em vez de ir trabalhar, passear ou tratar dos assuntos habituais. Mas
arranjaram maneiras de comunicar e de se apoiarem umas às outras. Vinham para
as janelas e para as varandas cantar em conjunto, liam em voz alta, contavam
histórias... E diziam umas às outras:
- Vamos ficar bem! Vamos ficar bem!
Assim, o tempo de que o monstro minúsculo dispunha para
concretizar o seu plano maléfico ia-se esgotando. A pouco e pouco, voltava a
ficar cada vez mais pequeno, o que o deixava tremendamente furioso.
A bruxa malvada acabou também por ser vítima do monstro
minúsculo. Ele achava que a culpa do seu falhanço era dela, zangou -se e, como
acontece neste tipo de histórias, empurrou-a para dentro do forno e a bruxa
rebentou!
O monstro minúsculo ainda anda por aí, mas acredito que as
pessoas, que somos todos nós, o iremos vencer. E, no final, vamos ficar bem!
Carlos A. Silva