terça-feira, 9 de junho de 2020

Ler Histórias: Ele há cada nome


Há nomes que nem inventados.

Mas são verdadeiros. Eu garanto, porque os colecciono e cato, um a um, pelas listas telefónicas do país.

A família Barriga, por exemplo, tão velha como Portugal. Já no tempo do nosso primeiro rei, o bravo D. Afonso Henriques, vivia, na província da Beira, um Martim de Barriga.

Que ninguém se admire. Se há tantos Costas, porque é que não há-de haver alguns Barrigas?

A família cresceu, espalhou-se e chegou aos nossos dias. Conheci, há tempos, uma senhora descendente do remoto beirão Martim de Barriga. Chama-se Maria das Dores; mais precisamente, Maria das Dores de Barriga, o que talvez lhe cause alguma indisposição.

E o caso do Dr. Pedro Branco, que se casou com uma senhora de apelido Feijão e tiveram um filho Feijão Branco?

Mais ou menos semelhante, e também verdadeiro, foi o caso, ou casamento, que uniu D. Maria José Coelho com o Engenheiro Manuel da Silva Guisado. O filho do casal chama-se Abel Coelho Guisado e não se importa.

 Nem tem nada com que importar-se, porque, verdade verdadinha, há nomes muito mais esquisitos.

Contou-me a minha avó que um casal já com muitos filhos foi brindado com mais uma criança, um perfeito rapazinho que havia de se chamar…

– André – disse o pai.

– João – disse a mãe.

– João Pedro – disse o avô.

– João Maria – disse o outro avô.

– João Carlos – disse uma avó.

– João Manuel – disse a outra avóNão se entenderam.

Quando, na cerimónia do baptizado, foi preciso assentar o nome do bebé no livro dos registos, ainda a família não tinha chegado a uma decisão. Até que a mãe, para safar a encrenca, ditou ao sacristão, que estava de caneta suspensa sobre o livro dos registos:

– Olhe, senhor sacristão, o nome do meu filho fica João, até ver. E Martins…

E o obediente sacristão escreveu assim o nome do rapaz:

João Até Ver e Martins

Mas ele, para o resto da vida, ficou só conhecido pelo João Até Ver.

– Pouco importa – concluía a minha avó, que esta história me contou. – O que vale é que cada um seja conhecido pelo que de bom fizer. Se for pelo que de mal fizer, então, sim, já terá razão para se envergonhar do nome.

Grandes verdades ensinava a minha avó, de nome Olívia Torrado, que, todos concordarão, não é um nome assim muito vulgar…

António Torrado

"Apresentação oral do capítulo "O Homem Muito Rico", da obra "A Fada Oriana" de Sophia de Mello Breyner Andresen...